Rubem David Azulay, Dermatologista, Chefe Honorário do Instituto de Dermatologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Professor Emérito da UFRJ e UFF, Professor Titular da Universidade Gama Filho, Membro Titular da Academia Nacional de Medicina, Honorário da American Association of Dermatology, da Deutsche Dermatoligische Gesellschaft, da Société Française de Dermatologie et de Syphiligraphie e da British Society of Dermatology. (Entrevista à revista “Médico Repórter” com algumas modificações)
De Belém para o mundo, o dermatologista Prof. Dr. Rubem David Azulay, nascido em 9 de junho de 1917, dispensa apresentações. Nonagenário, seu talento profissional é reconhecido no mundo inteiro, há décadas. Nos seus sessenta anos de magistério graduou cerca de 10 mil médicos e pós-graduou 800 dermatologistas, sendo que 20 tornaram-se professores titulares de universidades do país. Ele ainda vibra ao lecionar. Por limite de idade e por reconhecimento aos serviços prestados, passou a ser professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense. Como gosta de ensinar, também é professor da Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro.
Pesquisador nato, deu grandes contribuições para a medicina com seus estudos sobre as doenças tropicais, como a hanseníase, leishmaniose e micoses. Autor de mais de 700 trabalhos, um Compêndio de Dermatologia – na quinta edição – e seis teses, o Prof. Dr. Azulay lançou sua biografia, Traços de minha vida, pela Razão Cultural Editora e Contribuições dos Judeus na Medicina, pela Editora Garamond.
Esse paraense do signo de gêmeos gosta de uma boa conversa, de curtir a família e de trabalhar. Conheceu quase o mundo todo – falta a Nova Zelândia – sempre acompanhado de sua esposa, Esther, com quem está casado há mais de 55 anos. Conta muitas histórias curiosas, dentre elas, de como ficou “milionário” aos 18 anos, e alguns fatos emocionantes e marcantes em sua vida. Em determinado momento chega a parar a entrevista para enxugar suas lágrimas. O Prof. Dr. Azulay recebeu a equipe da “Médico Repórter” ao final de um dia de consulta e relembrou um pouco da sua gloriosa trajetória de vida.
Médico repórter: Como o senhor se tornou uma referência em dermatologia?
Prof. Dr. Rubem David Azulay: Sempre gostei muito de pesquisa. Cheguei a tentar ingressar por duas vezes no Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, sem sucesso. Acho que esse amor por descobrir coisas novas me levou a estudos profundos sobre as doenças tropicais que, na época, eram pouco conhecidas. Minhas grandes áreas de interesse eram a leishmaniose, a hanseníase e as micoses.
Com tantos trabalhos em destaque, por que o senhor não passou no concurso para o Instituto Oswaldo Cruz?
Fiz o curso do Instituto Oswaldo Cruz – que eram dois anos intensivos – e apesar de obter o primeiro lugar, fui preterido na nomeação para o Instituto pelos três últimos candidatos colocados. O primeiro lugar dava direito a receber a “Medalha de Ouro Oswaldo Cruz” desde que, durante o curso, não houvesse uma nota inferior a 8. Através de um despacho do diretor, fui informado de que não havia verba para o prêmio.
Então o senhor não recebeu a medalha?
(Muito emocionado, chega às lágrimas) Minha mãe, sabendo da importância que a pesquisa tinha para mim, juntou as poucas joias que tinha e mandou derreter na Casa da Moeda, para que fosse cunhada a minha medalha.
Depois disso o senhor desistiu de se tornar um pesquisador?
Não. Sempre fui um obstinado. No ano seguinte, em 1942, abriu um concurso para Técnico de Laboratório, também no Instituto. Éramos 50 candidatos. Fui o único que conseguiu passar na primeira etapa, que era a da prova escrita. No início da prova prática, os examinadores insinuaram que não passaria. Argumentei que isso só aconteceria se eles inventassem algo diferente. Tudo correu bem e saí tranquilo da prova. No dia seguinte, fui obter o resultado. Qual foi a minha surpresa? Havia sido, de fato, reprovado. Descobri, mais tarde, que foi apenas por eu ser judeu.
O senhor enfrentou mais algum preconceito por ser judeu?
Esse foi o único. O melhor é que os judeus contribuíram muito para o desenvolvimento da medicina. Atualmente, estou escrevendo um trabalho sobre a importância dos médicos judeus para a medicina. Há uma coisa muito curiosa. Na Idade Média, havia uma perseguição muito grande aos judeus por parte da Igreja, fazendo com que ora eles pudessem estudar em uma universidade, ora não. Mas a prática de duas especialidades, que eles consideravam nobres, não era permitida a judeus: a cirurgia e a medicina interna, que são os clínicos gerais. Todas as outras especialidades, julgadas inferiores, como fisiologia, anatomia patológica, bacteriologia e outras, poderiam ser praticadas por médicos judeus. Exatamente por isso, os judeus desenvolveram as bases da medicina científica, o que se confirma pelo fato de o Prêmio Nobel de Medicina ser ganho por médicos judeus na proporção de 26%.
Quais as contribuições dos judeus para a medicina?
A cortisona, o uso do arsênico no tratamento da sífilis, a vacina contra poliomielite, a reação para o diagnóstico da sífilis e a descoberta dos grupos sanguíneos, permitindo transfusões sem mortes; esses são alguns dos exemplos de contribuições
O senhor sempre foi um aluno estudioso?
Sim. No curso primário, porém, fui um aluno gazeteiro, principalmente quando entrei para o ginásio. As cadeiras eram arrumadas por ordem alfabética, pelo primeiro nome. Lembro de um episódio engraçado. Tínhamos uma bela professora de Inglês que, ao sentar no tablado, não se preocupava muito com a postura. Eu e meus colegas não conseguíamos prestar atenção na aula. Ficávamos tentando ver as pernas dela por debaixo da mesa. Naquela época, ver um pedaço de perna levava os homens à loucura. Tornei- me um aluno exemplar a partir do segundo ano ginasial, depois de um incidente com o meu professor de geografia. No primeiro dia de aula, decidi iniciar uma bagunça e o professor partiu para cima de mim, para me bater. Consegui escapar, mas concluí que precisava mudar de atitude. Comecei a frequentar a biblioteca municipal e ler obras de Darwin, Haeckel, Dante Alighieri entre outros. Devido a todo o conhecimento acumulado, tornei-me líder e fui eleito orador do Ginásio. A oratória sempre esteve presente na minha vida…Tinha 17 anos quando fiz meu primeiro discurso importante. O major Magalhães Barata, interventor do governo ditatorial de Getúlio Vargas, era candidato a governador do Pará. Durante sua campanha eleitoral, convocou um estudante de cada universidade e do ginásio Paes de Carvalho, que era onde eu estudava. Fui o escolhido. A caravana eleitoral desceria pelo rio Amazonas e realizaríamos comícios pelas cidades às suas margens. No navio, foram também alunos da cidade de Monte Alegre, que estavam visitando Belém. Quando nos aproximamos do cais, Abel Chermont, chefe da comitiva eleitoral, me pediu que fizesse um discurso para entregar as crianças à cidade. Fui aplaudido intensamente e, daí em diante, fiz o maior número de discursos da caravana. Assim, conheci o major Barata pessoalmente.
Como o senhor ingressou na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará?
Naquela época, havia um curso pré-vestibular realizado pela própria faculdade, três meses antes do exame de admissão. Era pago. Custava 100 mil réis por mês. Como não tinha dinheiro, decidi estudar sozinho. Meus amigos acreditavam que eu não passaria. Mas como sempre fui obstinado, passei em primeiro lugar. Mas a faculdade era paga. Decidi procurar o major Barata, já eleito governador, e pedi uma bolsa de estudos. Me dedicava muito na faculdade e me destaquei na cadeira de Embriologia e Histologia, onde o professor costumava reprovar em massa. Durante nove meses, estudei de graça, mas o major Barata foi deposto. Cassaram minha bolsa de estudos e me cobraram os meses que estudei sem pagar. Como não tinha nem os 100 mil réis de uma mensalidade e nem o acumulado, a única saída seria largar a medicina. Mas decidi criar um curso paralelo de Histologia para todos os alunos reprovados da faculdade. Cobrava 100 mil réis por aluno e fiquei rico. Consegui pagar os atrasados e me manter na faculdade.
O senhor teve algum problema por ser conhecido do major Barata?
O único problema político que tive foi quando tentaram me expulsar da faculdade e fui preso. Mas não porque era conhecido do major.
E por que o senhor foi preso?
Fui escolhido orador da União Democrática Estudantil. Era a época do integralismo, o fascismo brasileiro. Não consegui terminar meu discurso devido a pancadaria que saiu entre as correntes políticas. Na manhã seguinte, fui acordado pela polícia. Precisava dar declarações sobre o discurso que havia feito. Só não fiquei preso porque o procurador geral Casimiro Gomes da Silva havia escutado meu discurso e me defendeu. Ao mesmo tempo, sofri um inquérito na faculdade para ser expulso. Só não fui expulso porque o professor de Anatomia, Dias Júnior, alegou que a faculdade não poderia expulsar o seu melhor aluno. Como minha situação política e social não estava das melhores em Belém, decidi concluir minha faculdade no Rio de Janeiro. Peguei o Ita do Norte.
Quando o senhor decidiu se especializar em dermatologia?
Não tinha “pistolão” para entrar na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil e optei pela Faculdade Fluminense de Medicina. No primeiro dia de aula na Policlínica de Niterói, uma enfermeira perguntou quem queria trabalhar naquele ambulatório. Estava doido para começar a trabalhar, me ofereci e nem sabia para que. Era o ambulatório de dermatologia.Como o senhor se sustentava quando chegou ao Rio de Janeiro? Quando cheguei ao Rio, fui morar na pensão da D. Buzuga, em Niterói. Dava aulas de Inglês e História da Civilização em um curso para contadores. Existem histórias engraçadíssimas dessa época. Em 1938, o frango era um alimento nobre. Às segundas-feiras, o jantar era galinha. Era uma disputa entre os estudantes para ver quem conseguiria pegar o pedaço maior.
O senhor ingressou na Academia Nacional de Medicina em 1970, na cadeira 48, como primeiro secretário e chegou à presidência em 1995. O que de mais importante aconteceu nesse período?
Destaco três grandes feitos. Em 1991, era secretário geral e publiquei, sem ônus, os Anais da Academia, que estavam esquecidos. A publicação ainda deu um bom lucro para a Academia. Na minha gestão como presidente, iniciamos o Curso de Formação Médica Continuada pela televisão. O presidente Fernando Henrique Cardoso inaugurou o Canal Médico que, infelizmente, ficou suspenso por um período, devido a problemas financeiros. Mas já foi reativado pela médica Vera Lúcia Vieira. Em 1996, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, os ministros da Educação, Paulo Renato de Souza e o da Saúde, Adib Jatene, foram empossados, respectivamente, como Presidente de Honra e Vice-presidentes de Honra da Academia.
De quais entidades estrangeiras o senhor é membro?
Sou presidente honorário da International Society of Dermatology; membro honorário da American Association of Dermatology, da Deutsche Dermatologische Gesellschaft, Societé Française de Dermatologie et de Syphiligraphie, e de muitas outras.
Quais eram os seus maiores sonhos?
Quando cheguei ao Rio de Janeiro, tinha dois sonhos. Um era morar na avenida Atlântica, em Copacabana, zona sul do Rio. E o outro era ter uma Mercedes Benz. Hoje, consegui realizar meus dois sonhos. Moro em um excelente apartamento que fica a dois quarteirões do meu consultório e tenho o carro que sonhava. Mas levei 30 anos para conseguir comprar esse apartamento. Porque o primeiro que comprei, depois que cheguei ao Rio, foi para os meus pais.
O senhor ainda tem algum sonho que não conseguiu realizar?
Sempre procurei descobrir algo. Realmente, realizei pesquisas originais, reconhecidas mundialmente, inclusive pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O sobrenome Azulay é uma responsabilidade muito grande para a nova geração da família?
É um peso que tanto pode estimular, como prejudicar. Meus netos podem ter medo de fazer medicina por acharem que não chegarão ao patamar do avô ou dos pais. Meus filhos, Luna e David, sentiram-se estimulados e colaboram comigo nas pesquisas.
A família Azulay mantém alguma tradição?
Às sextas-feiras meus filhos, genros, noras e netos se reúnem na minha casa para o jantar. Nesse dia, faço questão que seja servida as melhores comidas e bebidas. É uma forma de mantermos a família cada vez mais unida. E, anualmente, viajo de férias com minha esposa e com todos os netos.
O senhor possui algum hobby?
O hipismo é a minha paixão e cheguei a ganhar competições. No tênis, faltava-me tempo para praticar, mas gostava de jogar nos finais de semana no Itaipava Country Clube (região serrana do Rio) onde tenho uma casa. Cheguei a criar três expressões que ajudavam a intimidar meus adversários. Como o tênis é um esporte de muita concentração, minha “falação” acabava perturbando os adversários. As expressões eram “Azulay não perde saque”, “Azulay’s Lobby” e “Azulay não treme em decisão”. Adoro também jogar pôquer.
Qual o conselho que o senhor deixa para os médicos que estão iniciando a carreira?
Ser médico é dar de si uma grande parte. Para ser um bom médico tem de amar a profissão, tem de dar ao paciente o máximo de si. E uma coisa muito importante: em medicina, para um bom resultado terapêutico, nada melhor do que saber desenvolver uma boa relação médico- paciente. A conversa é tão boa quanto qualquer bom remédio.